A porta do outro lado

A caminho do meu trabalho o ônibus parou no meio do nada, e demorou quase 30 minutos pra voltar pra estrada. O motivo, eu não sabia ainda, mas, por sorte, estava muito envolvida com minha leitura pra me incomodar com esse atraso. Uma pena que o moço do meu lado não tinha um livro, resmungava sem parar, olhando as horas e reclamando com si mesmo.

Em minha leitura, tinha acabado de ler uma coisa mágica: Use a porta do outro lado. Não se estresse com pequenos detalhes, se não dá de um jeito tenta de outro, se uma porta está emperrada, pra que reclamar ou resmungar, basta sair pelo outro lado. Um dia só tem 24 horas e não devemos perder tempo com palavras mal ditas, vamos ignorar o que nos deixaria frustrados pelo resto do dia. 

Um momento sem paciência e cheio de estresse estraga um almoço com a família, ou o jantar com a mulher que tirou 10 minutos pra te ver um pouco hoje, o café com o homem que acabou de chegar de viagem e precisava te ver, estraga o  passeio, o sexo, o casamento e até a amizade. 

Comigo nem sempre foi assim, quando algo me atormenta eu fico logo de cara feia e reclamando sem parar, resmungando pra quem ouvir, sem ao menos pedir licença. Isso mesmo, reclamar invade o espaço alheio, ninguém tem nada a ver como nossos problemas, cada um já tem o seu e estamos procurando um pouco de solidariedade para nossas tragédias diárias esquecendo que o outro também tem as dele. 

Minha ficha caiu quando meu marido me abriu os olhos. "Você está reclamando demais, o que foi que aconteceu?" Foi o que ele disse, eu não sabia o que responder, eram tantas coisas... O médico demorou a me chamar, tive que procurar uma vaga mais longe hoje, queimei o arroz, infinitas tragédias, mas nenhuma que justificasse meu comportamento infantil resmungão. 

Passei a usar a porta do outro lado como diria a Martha Medeiros. Mas afinal, por que meu ônibus parou no meio da estrada aquele dia? Pra resgatar passageiros de um outro ônibus que havia quebrado.


Texto: Anne Gusmão
Correção e adaptação: Tai Henkes